A felicidade

 Como tantas outras pessoas, cresci a achar que a felicidade era algo que acontecia depois de conseguir alcançar objetivos traçados. Os estudos e depois a profissão. Uma casa, uma relação, um carro, viagens. Dinheiro, segurança, independência, filhos. Fui andando, crescendo nesta necessidade de ir ultrapassando etapas, com sucesso, porque disso dependia "uma vida interessante e realizada". A verdade é que, apesar de ter vários interesses, nunca existiu em mim uma ambição verdadeira, daquelas que servem de impulso para tudo e asseguram um "percurso extraordinário". Fui boa aluna, entrei no ensino superior sem dificuldades e no curso que queria (sabia lá eu o que queria, mas até acabou por ser uma boa escolha). Muitas vezes ouvi que era preguiçosa porque podia ser mais, fazer mais, ter mais foco, mais ambição. Hoje sei que nunca fui preguiçosa. Hoje sei que o que eu procurava não estava em nada do que me era apresentado como sucesso, como fonte de felicidade. Fui fazendo um esforço para me tentar encaixar nos padrões e seguir o caminho apontado como "certo e garantia de felicidade", mas nunca por mim. O que fiz foi tentar cumprir expectativas de outros. 

Quando é que eu me sentia feliz? Quando ouvia música. Quando cantava. Quando dançava. Quando olhava o fogo ou o mar. Quando era beijada com amor ou quando era abraçada com profunda amizade. Quando fazia alguém rir até chorar. Quando deixava a chuva encharcar-me o cabelo. Quando andava descalça. Ainda hoje é assim e será assim até ao meu último sopro. Porque quem nos traz felicidade é a nossa criança mágica, aquela que encanta e se deixa encantar pela natureza e por todas as expressões de amor e vida. A que sabe e ensina sobre a verdadeira conexão. A que quer simplesmente ser. 

Demorei muito tempo a reencontrar esta criança que ficou perdida algures na vontade de pertencer, de cumprir expectativas, de seguir os outros. Foi preciso cair no fundo de mim, na mais absoluta tristeza e desalento, para perceber que só ela me poderia salvar de uma morte em vida. Trabalhamos juntas, resgatando e dando novos significados a tudo o que vivemos, e é com ela no meu coração que vou fazendo esta arqueologia de mim própria, num tecer e retecer da teia da vida. 

A vida tem constantes desafios, sofremos, aprendemos, superamos, falhamos. Os ciclos sucedem-se, com temas que serão sempre nossos, com feridas que nunca saram verdadeiramente. A cada passo podemos trazer mais de nós à superfície, ganhando progressivamente consciência de quem somos. Mas nada disto tem a ver com aquela corrida desenfreada de alcançar objetivos que só falam de ter e não ser. Não é a casa, não é a profissão, não é o reconhecimento dos outros. A felicidade estará sempre guardada na criança livre e mágica que simplesmente brinca e se maravilha com a vida. 



Texto e imagem Catarina Ferreira



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